Quando o machismo se disfarça de piada, o riso custa caro
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Nos últimos dias, um vídeo publicado nas redes sociais mostrou o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, comentando a visita oficial da atriz e ativista Angelina Jolie à aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto-Jarina, no município de São José do Xingu (MT). A visita fez parte de uma agenda voltada à defesa dos direitos indígenas e à preservação ambiental — pautas nas quais Jolie tem atuação reconhecida internacionalmente.
Em resposta, Mauro Mendes convidou a atriz a conhecer outras regiões do estado, sugerindo que ela deveria visitar povos indígenas que “trabalham e produzem”, como o povo Pareci, de Campo Novo do Parecis. Até aí, seria apenas um contraponto político — legítimo dentro do debate democrático. No entanto, o comentário que mais repercutiu veio logo depois: “Ela está convidada, mas dona Virgínia terá que ir junto, porque ela é brava.”
Angelina Jolie é mais do que uma celebridade — é uma embaixadora da ONU com duas décadas de trabalho em causas humanitárias. Reduzir sua presença à possibilidade de gerar ciúmes ou conflito conjugal é objetificá-la, transformando sua atuação política e humanitária em um elemento de humor machista. A fala também reforça o velho estereótipo da mulher autoritária ou controladora, que precisa “acompanhar” o marido para garantir que ele se comporte. Embora dito de forma descontraída, o comentário constrói uma imagem simplista e limitadora da figura feminina — uma caricatura que ainda é muito presente no imaginário social.
O machismo nem sempre se apresenta com violência explícita. Muitas vezes, ele se esconde nas entrelinhas do humor, nas frases feitas e nas “brincadeiras” ditas em público. Quando esse tipo de comentário vem de um chefe de Estado, seu impacto é amplificado — e contribui para a naturalização de desigualdades e preconceitos. É essencial destacar que a fala foi feita em um vídeo gravado e publicado nas redes sociais, ou seja, não foi uma conversa informal, mas uma comunicação pública. O governador fala em nome de uma instituição, e isso exige responsabilidade no conteúdo e no tom. O uso da figura da esposa como “piada de apoio” desloca o debate e enfraquece o teor político da resposta à visita de Jolie.
Ao desviar o foco para uma “brincadeira conjugal”, Mauro Mendes apaga o real significado da visita de Angelina Jolie ao Brasil: um gesto de reconhecimento internacional à luta dos povos indígenas pela preservação de seus territórios e da biodiversidade. Ao invés de somar ao debate, a fala esvazia a relevância da pauta — e reforça visões ideológicas que priorizam produção econômica sobre a proteção ambiental.
Porque respeito e igualdade de gênero não se constroem apenas com leis, mas com cultura — e cultura se expressa na linguagem. Quando líderes políticos fazem piadas que reforçam estereótipos, eles contribuem para a manutenção de desigualdades históricas. Questionar esse tipo de fala não é censura, nem exagero. É exigir responsabilidade de quem ocupa cargos de poder, especialmente quando se trata de mulheres e de povos originários — que tantas vezes têm suas vozes silenciadas em espaços de decisão.
Valdir Barranco, Deputado Estadual e Presidente do PT-MT
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