Notas adulteradas, futuro roubado: a denúncia que expõe a fraude educacional em Mato Grosso
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A sociedade mato-grossense testemunha, estarrecida, mais um capítulo lamentável na gestão da educação pública do Estado. Não se trata de uma simples falha administrativa, tampouco de um erro pontual: o que emerge das denúncias que encaminhei ao Tribunal de Contas do Estado, ao Tribunal de Contas da União, à Procuradoria-Geral da República, à Procuradoria-Geral de Justiça, ao Ministério Público Federal e à Controladoria-Geral da União é a possibilidade de um esquema estruturado, grave e profundamente nocivo à verdade, ao interesse público e às crianças e jovens que dependem da escola pública para construir seu futuro.
E desde que a denúncia se tornou pública, tenho recebido inúmeras informações de pais, professores, gestores e trabalhadores da educação que confirmam, com tristeza e coragem, aquilo que já era motivo de profunda preocupação: uma ação deliberada, disseminada por todo o Estado, marcada por forte pressão das Diretorias Regionais de Educação (DREs) para adulteração de notas e registros escolares, com o objetivo explícito de elevar artificialmente os índices educacionais de Mato Grosso. Não são relatos isolados. É um padrão que se repete de norte a sul, revelando um ambiente de constrangimento institucional e de manipulação sistemática dos dados que deveriam refletir, com fidelidade, a realidade do aprendizado de nossas crianças.
Fraudar dados educacionais é, antes de tudo, fraudar vidas. É maquiar uma realidade dura, escondendo a evasão escolar, disfarçando índices de reprovação, manipulando indicadores estratégicos e, pior, utilizando essas distorções para influenciar distribuição de recursos públicos, priorização de investimentos e obtenção de repasses vinculados a desempenho. As denúncias mostram que registros de frequência podem ter sido alterados, taxas de aprovação elevadas artificialmente e indicadores inflacionados para melhorar, falsamente, o IDEB e para habilitar o Estado a programas federais como VAAR/FUNDEB, Escola em Tempo Integral e Pé-de-Meia. Se confirmados, tais atos configuram um atentado à moralidade administrativa e um escárnio contra o princípio básico de qualquer política pública séria: a verdade dos dados que a sustentam.
É assustador imaginar que a educação, área tão sensível, tão carente de planejamento sério e tão dependente de diagnósticos precisos, possa ter sido tratada como terreno fértil para manipulação estatística. É revoltante pensar que crianças e adolescentes, sobretudo os mais pobres, tenham sido usados como números ajustáveis ao gosto do gestor de plantão. E é inaceitável que recursos federais, destinados a apoiar a aprendizagem, tenham sido supostamente acessados mediante distorção deliberada de informações.
Não há indignação suficiente para traduzir a gravidade de se burlar a própria essência do serviço público: a confiança. Quando dados são manipulados, todo o sistema desaba. Políticas públicas passam a ser desenhadas para uma realidade fictícia, escolas ficam sem o apoio necessário, programas deixam de chegar a quem mais precisa, e o erário pode sofrer prejuízos milionários, não apenas estaduais, mas também federais. Não é exagero afirmar que a manipulação de informações educacionais destrói a capacidade de o Estado planejar, executar e corrigir suas próprias ações.
Diante de indícios tão graves, a resposta institucional não pode ser tímida. A representação exige auditoria especial, cruzamento de bases de dados estaduais e federais, oitiva de gestores e servidores com proteção contra retaliações e responsabilização plena dos envolvidos. O mínimo que se espera é transparência total, rigor técnico e investigação firme. Toda autoridade pública tem o dever moral e constitucional de não permitir que esse caso seja varrido para debaixo do tapete.
Manipular dados educacionais não é só trair a confiança da população. É negar oportunidades. É impedir que a verdadeira realidade das escolas seja vista, enfrentada e transformada. É, no fim das contas, abandonar os estudantes de Mato Grosso à própria sorte enquanto índices artificiais tentam vender uma eficiência que não existe.
A denúncia foi feita. O povo tomou conhecimento. E agora cabe às instituições mostrar que estão à altura do desafio histórico colocado diante delas. Porque quando a fraude atinge a educação, não é apenas o erário que sofre, é o futuro de um Estado inteiro que é colocado em risco.
Valdir Barranco é deputado estadual e mestrando em políticas sociais pela UFMT
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